As sucessivas crises em curso abrem "espaço para um questionamento cada vez mais profundo sobre a globalização desregulada que estamos vivendo", diz o ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO
"Estamos mostrando que não somos capazes de agir coletivamente nem em um momento em que a nossa própria sobrevivência está ameaçada." É assim que José Graziano da Silva resume as ações políticas que estão sendo empregadas no enfrentamento dos efeitos da guerra, como o da situação de mais de quatro milhões de refugiados da Ucrânia, mas também dos efeitos das mudanças climáticas, do aumento da fome, da pobreza e da violência no mundo. As sucessivas crises demonstram, assegura, "que estamos vivendo um momento muito grande de fragilidade de todas as instituições de coordenação internacional. É um momento de fraqueza de tudo que é multilateral e isso joga incertezas ainda maiores em um processo de recuperação econômica pós-pandemia".
Na entrevista a seguir, concedida via áudios ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, ele diz que encontra "muita esperança" na juventude, mas pontua os desafios em torno da elaboração de um programa político. "O que falta é um caminho. Está faltando canalizar essa energia toda dos jovens para uma proposta: qual é o caminho, ainda não está claro. Não temos ainda construído uma ideologia, no bom sentido, que incorpore o modelo econômico e uma proposta para regular o capitalismo financeiro desregulado que temos atualmente."
Graziano também lamenta o fato de ninguém estar "dando bola" para os discursos do secretário-geral da Organização das Nações Unidas - ONU, António Guterres, que está "tremendamente enfraquecido neste momento pela situação política mundial". Nesta guerra, observa, "todo mundo fala e dá palpite, mas não se escuta o que fala o secretário-geral da ONU, que é o organismo que foi criado para garantir a paz ao final da Segunda Guerra. A ONU só consegue fazer uma reunião interna de suas agências, porque o fórum para resolver a questão, que é o Conselho de Segurança, enfrenta o veto de uma das partes envolvidas na guerra, que é a Rússia. Mas se não fosse pela Rússia, seria pela China ou qualquer uma das grandes potências que estão lá sentadas. Quando afeta algum dos seus interesses, uma dessas potências veta e paralisa a resolução do Conselho de Segurança. Então, temos que realmente partir para uma outra saída. Essa não dá mais".
José Graziano (Foto: Portal José Graziano da Silva)
José Graziano da Silva é agrônomo de formação e doutor em Economia, professor titular aposentado do Instituto de Economia da Universidade de Campinas - Unicamp. Ocupou o cargo de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para alimentação e Agricultura - FAO de 2012 a 2019. Com mais de 30 anos de conhecimento relacionado à segurança alimentar e nutricional e ao desenvolvimento rural, coordenou a formulação e implementação do Programa Fome Zero no Brasil enquanto Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome. Atualmente, é diretor do Instituto Fome Zero.
IHU - Como o senhor tem refletido sobre este momento e as diversas crises globais e nacionais?
José Graziano da Silva – Minha opinião geral é que estamos vivendo um momento muito grande de fragilidade de todas as instituições de coordenação internacional. É um momento de fraqueza de tudo que é multilateral e isso joga incertezas ainda maiores em um processo de recuperação econômica pós-pandemia, um tipo de “abre e fecha” em função do desconhecido, que é o impacto da mutação do vírus. Isso tem trazido muita fragilidade – talvez este seja o termo – e abre espaço para muita especulação em todos os sentidos. Desde especulação sobre o que vai acontecer com a guerra, até especulação se isso vai levar a uma alta ainda maior dos preços e a um impacto maior na fome mundial.
Este momento abre espaço para um questionamento cada vez mais profundo sobre a globalização desregulada que estamos vivendo e vejo duas direções opostas deste questionamento.
De um lado, a tentativa de impor um conjunto de regras que possam disciplinar melhor os principais movimentos da globalização que têm sido muito desiguais, especialmente em relação ao sistema financeiro, ao comércio mundial e ao uso da internet e das telecomunicações. Seria mais ou menos adotar medidas no sentido de limitar a concentração e o poder das grandes transnacionais, ou seja, dar mais transparência aos mercados desregulados, como se quer fazer no comércio de alimentos. A próxima reunião da Organização Mundial do Comércio - OMC que vai ser realizada em junho ou julho vai dizer se essa linha de regulação do desregulado vai ter fôlego. Vamos torcer para que tenha.
Mas há uma outra tendência de reverter a atual globalização desregulada para uma relativa desglobalização. Ou seja, não se vai voltar à época dos estados nacionais fechados nem ao aumento das tarifas alfandegárias sem limites, mas essa relativa desglobalização poderia caminhar no sentido de maior autossuficiência e valorização da produção doméstica, por exemplo, na área alimentar, com uma diversificação da produção e das importações de alimentos que poderiam ser reforçadas. Isso abre um espaço muito grande para se repensar o nosso atual sistema alimentar na direção de um modelo de maior soberania alimentar, puxado pela recuperação verde que o mundo está precisando. Ou seja, juntar a globalização com os investimentos para enfrentar a questão do clima.
IHU - Como a guerra respinga no Brasil e na América Latina? Que efeitos estamos sentido ou vamos sentir?
José Graziano da Silva – O efeito maior na região, que não depende de importações de alimentos da Ucrânia, é em relação à importação de fertilizantes russos. Isto é importante pontuar: de fato apenas a Nicarágua tem uma dependência quase total do trigo importado da Ucrânia, mas os demais países têm comércio diversificado. Mas a guerra afetou o mercado de commodities mundial não porque tenha faltado produtos – porque não é disso que se trata, porque a produção da Ucrânia em grande parte já tinha sido exportada –, mas porque o que está sendo afetado é o plantio, a safra que começaria na primavera. Isso poderá afetar a produção.
É que o preço das commodities é determinado basicamente pelas expectativas de produção e consumo. Em momentos como o que estamos vivendo, de estoques baixos – estamos saindo de dois anos de pandemia e os estoques de cereais estão relativamente baixos –, principalmente o do trigo, uma expectativa de quebra da produção futura da Ucrânia impacta diretamente os preços. Difícil dizer a longo prazo, mas a tendência é que a alta de preços vai longe. Até porque não há mecanismos reguladores para enfrentar isso. A tendência dos preços que estão subindo é um dia cair, mas não para os níveis do pré-guerra. Isso nunca acontece. Pode haver uma queda futura, mas não para os níveis anteriores em virtude de os preços serem incorporados pela inflação no orçamento dos consumidores. A única coisa que sabemos é que a volatilidade deve persistir enquanto persistir a guerra e levará um tempo para se acomodar em uma nova situação.
IHU - A ONU tem alertado para o risco de uma crise alimentar global como efeito da guerra. A partir da sua experiência internacional como diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, quais são suas projeções? Na prática, o que significa falar em crise alimentar global?
José Graziano da Silva – De fato, desde o início da invasão russa, agências da ONU, como a FAO, e o Programa Mundial de Alimentos – PMA, têm alertado que a guerra poderia ser um golpe duro para os países mais pobres devido ao aumento do preço dos commodities agrícolas importados, mas também devido ao aumento do preço dos combustíveis, que vai tornar os fretes mais caros, tanto o frete marítimo internacional quanto os fretes internos. Isso deve afetar particularmente o trigo porque a Ucrânia produz cerca de 30% da produção mundial. Metade do trigo usado pelo PMA vem da Ucrânia. Então, essa situação vai afetar ainda mais os países da África e do Oriente Médio. O secretário geral da ONU declarou que 45 países da África estão em risco, incluindo também o Egito, a República Democrática do Congo, Líbano, Síria, Somália, Sudão, Iêmen, que são países do Oriente Médio.
Crise alimentar no sentido estrito é falta de comida, ou seja, diz respeito à falta de produtos e não somente ao aumento dos preços. Isso pode acontecer nos países que importam a maior parte da sua comida, como é o caso dos países árabes. E já aconteceu em 2010 e 2011 na famosa Primavera Árabe, por causa da falta de trigo, que fez desaparecer o pão, como aconteceu no Egito e nos países do norte da África, em especial.
Vale notar que a alta dos preços que estamos vendo hoje em função da especulação impulsionada pela guerra se soma à crise alimentar que já vinha sendo provada pela Covid-19 e que foi impulsionada pela falta de renda do segmento mais pobre da população devido à perda de empregos, ao confinamento e à restrição da produção. Na verdade, é uma sequência de três anos: dois anos de pandemia e, quando estávamos achando que a pandemia tinha acabado, veio a guerra. Isso impacta a segurança alimentar e nutricional mundial.
Vale destacar que são crises externas do sistema capitalista; não é uma fase do ciclo econômico, de recuperação ou queda, como foi a grande depressão econômica de 29. As soluções também têm que vir de fora; não são soluções próprias do sistema capitalista. Nós vimos muitas dessas soluções serem aplicadas pelos países que fizeram auxílios emergenciais a esse segmento mais pobre da população; inclusive, isso aconteceu na maior parte dos países latino-americanos.
IHU - Que renegociações internacionais ou saídas poderiam ser buscadas a fim de evitar uma crise alimentar global ou amenizar seus efeitos?
José Graziano da Silva – A saída global vai em duas linhas. A primeira é enfrentar a questão da especulação desenfreada que estamos vivendo. Isso pode ser feito dando maior transparência aos mercados de commodities. A AMIS – The Agricultural Market Information System [Sistema de Informação e Monitoramento de Produtos Agrícolas], que tem sede na FAO, pode ajudar nisso e tem ajudado. Mas, evidentemente, essa linha depende muito da possibilidade de poder retomar a produção nos diversos países. Os preços altos tendem a estimular a produção em alguns países.
Mas a saída global mesmo vai na linha keynesiana de injetar mais recursos econômicos e financeiros para enfrentar a estagflação, uma inflação com estagnação econômica, em que estamos entrando em função da situação de “abre e fecha” da economia por causa das novas variantes do vírus. Isso implica em grandes planos de investimento. E é a hora de fazer isso. Toda crise abre grandes oportunidades. Agora era a hora de fazer um plano Marshall verde, pensando no que foi feito no pós-guerra na Europa com investimentos americanos. Era a hora de os países mais ricos, liderados pelos EUA, mas também pela China, abrirem os seus investimentos e seu apoio financeiro a planos de investimentos para enfrentar a crise climática, que é a grande crise de longo prazo.
Mas, infelizmente, neste momento de fragilidade política, não há uma liderança política no mundo. A liderança dos EUA é muito fraca e a China não tem se mostrado à altura de assumir essa liderança apesar do seu plano de “novos caminhos da seda”, que é uma proposta de financiamento de investimentos de longo prazo.
O que os países podem fazer? Eu diria que eles podem fazer muito. Essa é uma crise que abre a oportunidade para os países redesenharem suas políticas nutricionais e de segurança alimentar na linha de serem mais autossuficientes e menos dependentes, principalmente, da importação de trigo. O trigo é um produto que sempre dá problema porque há um grande consumo mundial e poucos países produtores. Então, é preciso diversificar. O Brasil fez isso durante as grandes guerras, diversificando suas importações e substituindo as importações de trigo por outros tipos de farinhas na produção de pão, como a de mandioca e a de milho. Segundo a Embrapa, dá para misturar 20% dessas farinhas no pão de trigo sem alterar radicalmente o seu sabor. Esse é um caminho.
Mas o Brasil poderia imediatamente reativar o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, que está completamente parado. Isso porque o preço dos produtos frescos dos mercados locais não subiu tanto quanto subiu o preço das commodities, com exceção de um ou outro – tem se falado sobre o aumento do preço da cenoura, que tem virado o bode expiatório do momento, mas, em geral, o preço de frutas, verduras e legumes não subiu 40% ou 50% como subiu o preço do trigo. Era hora de comprar localmente, reativar o PAA localmente.
A médio prazo, os países precisam refazer seus estoques de emergência. A FAO recomenda que todos os países tenham dois ou três meses de estoque dos seus produtos básicos. O Brasil entrou e saiu da pandemia com zero de estoque. Quando começou a guerra, nós não tínhamos nada de estoque. No ano passado, tivemos o problema da disparada do preço do arroz por falta de estoque – exportamos todo o arroz e ficamos sem nada. O Brasil precisa fazer estoques reguladores de emergência para enfrentar as situações emergenciais. Não é só problema da guerra; às vezes tem o problema da seca, ou de inundações ou desastres climáticos que afetam a produção e abrem espaço para a especulação.
Só o fato de o Brasil anunciar que vai fazer estoques reguladores usando a próxima safra já contribuiria muito para segurar a especulação desenfreada que estamos vivendo hoje. A longo prazo tem uma coisa muito importante que os países podem fazer: reduzir a dependência de fertilizantes químicos, que vem desde a Revolução Verde, há 60 anos. Isso seria muito importante. Temos que investir em um programa não só para aumentar a produção própria de fertilizantes, mas para substitui-los por outras práticas, como usar adubo composto ou orgânico, práticas agroecológicas. O que não pode é ficar parado, vendo a especulação tomar conta, como está fazendo o Ministério da Agricultura neste momento.
IHU - A guerra, mas também os efeitos climáticos e o aumento da fome no mundo agravam a situação social, que tem, como outras consequências, o aumento de pobres e miseráveis. Internacionalmente e politicamente, o que fazer diante dessa conjuntura? Que estratégias e ações políticas estão faltando nesse momento, especialmente para enfrentar os problemas sociais da fome, da violência e do aumento do número de refugiados?
José Graziano da Silva – Eu diria que estamos mostrando que não somos capazes de agir coletivamente nem em um momento em que a nossa própria sobrevivência está ameaçada. Isso me faz lembrar aquela propaganda do dinossauro que vai à assembleia geral das Nações Unidas – um vídeo que foi veiculado durante a preparação da Cúpula Mundial da Alimentação, que foi outro fracasso também porque não trouxe, até agora, nada de concreto.
Mas eu diria que além dessa tendência “suicida”, que é própria de crises de superpopulação, que não é o nosso caso, vemos a cada dia um aumento da violência, da tolerância com a barbárie, uma violência física e moral que impulsiona reações políticas cada vez mais radicais à direita.
Fiquei chocado outro dia quando vi uma notícia de que iriam repatriar migrantes haitianos junto com seus filhos que tinham nascido no Brasil e no Chile e que tinham entrado ilegalmente nos EUA depois que seus pais não tinham conseguido se estabelecer naqueles dois países latino-americanos, muito provavelmente por conta do preconceito racial e da crise que enfrentam esses países. É uma situação muito difícil e não vou me atrever a dizer o que tem que ser feito com os refugiados, mas, em um primeiro momento, eles têm que ser assistidos e isso, do ponto de vista da segurança alimentar, implica em reforçar as ações do Programa Mundial de Alimentos. Infelizmente, neste momento de emergência é isso que dá para fazer. Mas, a médio e longo prazo, temos que rever completamente a questão dos refugiados, principalmente os refugiados de guerra. Eles têm que ter um status diferenciado. Eles já têm, mas isso não é respeitado e faz-se vista grossa, mas eles têm que ser acolhidos pelos países.
IHU - A guerra reposiciona o debate sobre a transição energética?
José Graziano da Silva – Queria destacar em primeiro lugar que os dois produtos mais subsidiados do mundo continuam a ser o petróleo e depois o trigo, nesta ordem. Não preciso falar dos danos que o petróleo causa no meio ambiente, mas temos visto a dificuldade que é fazer qualquer substituição do petróleo e dos combustíveis fósseis em geral, inclusive o carvão. O Brasil mesmo reativou suas usinas de carvão com a crise hídrica. Isso é um absurdo. Os EUA e a China, que é uma das grandes consumidoras de carvão para produção de energia elétrica, se recusam a enfrentar essa questão da substituição do carvão, sendo que temos já tecnologia para fazer isso.
O trigo também está se convertendo em um grande problema mundial. Com a crise climática e o aumento da temperatura, o teor de proteína nos grãos, principalmente no arroz, no trigo e na cevada, segundo o relatório do IPCC de 2021, pode cair em até 14%. Há uma mudança no metabolismo da planta, que passa a produzir menos proteína e nutrientes essenciais. Isso, segundo o relatório, colocaria cerca de mais de 150 milhões de pessoas em situação de risco de deficiência de proteína. Então, não há por que continuarmos dependentes do trigo. Está mais do que na hora de promover a substituição do trigo e isso pode ser feito através de subsídios, retirando o subsídio do trigo e subsidiando produtos substitutos.
IHU - Diante dos cenários de calamidade social, há um discurso sobre a necessidade de se ter esperança para enfrentar o cotidiano e buscar saídas para a mudança epocal em curso. Como ter esperança em mais um contexto de guerra, de perda do território, de mudanças climáticas, de crise alimentar? O senhor tem esperança? Onde a encontra?
José Graziano da Silva – Eu tenho muita esperança, sim. Nós não temos uma vocação suicida. Tenho especial esperança na juventude, que tem mostrado uma completa mudança de valores sociais e políticos. Estou vivendo hoje no Chile e este país é um bom exemplo disto: em dois anos, o Chile mudou completamente o rumo do seu futuro, graças a uma participação, até certo ponto, desordenada dos jovens com seus protestos semanais nas ruas. O que falta é um caminho. Está faltando canalizar essa energia toda dos jovens para uma proposta: qual é o caminho, ainda não está claro. Não temos ainda construído uma ideologia, no bom sentido, que incorpore o modelo econômico e uma proposta para regular o capitalismo financeiro desregulado que temos atualmente.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, deu uma declaração por conta da guerra que faço questão de reproduzir: “Nenhum país”, diz ele, “será capaz de se isolar de um colapso do sistema econômico global, do efeito dominó de acumular alimentos ou combustíveis ou do impacto de longo prazo do aumento da pobreza e da fome”. Ele disse isso ao abrir a reunião da equipe da ONU que ele criou para enfrentar a crise criada com a situação da guerra da Ucrânia. O secretário-geral deixou claro que o mundo tem alimentos, energia e financiamento de sobra para enfrentar todos os problemas, para que todos os países superem a crise, mas, ao mesmo tempo, reconhece as desigualdades disso porque o problema de distribuição e logística faz com que as linhas de suprimentos não consigam dar resposta neste momento de guerra. Enfrentar esses gargalos é uma prioridade neste momento, principalmente enfrentar esse problema da concentração da renda e da desigualdade crescente a nível mundial.
Ofensiva à Ucrânia é errada e inaceitável, mas não irreversível, diz Guterres:
Infelizmente, quem fala isso é o secretário-geral da ONU, tremendamente enfraquecido neste momento pela situação política mundial – ninguém está “dando bola”. Nesta guerra, todo mundo fala e dá palpite, mas não se escuta o que fala o secretário-geral da ONU, que é o organismo que foi criado para garantir a paz ao final da Segunda Guerra. A ONU só consegue fazer uma reunião interna de suas agências, porque o fórum para resolver a questão, que é o Conselho de Segurança, enfrenta o veto de uma das partes envolvidas na guerra, que é a Rússia. Mas se não fosse pela Rússia, seria pela China ou qualquer uma das grandes potências que estão lá sentadas. Quando afeta algum dos seus interesses, uma dessas potências veta e paralisa a resolução do Conselho de Segurança. Então, temos que realmente partir para uma outra saída. Essa não dá mais.
IHU - Deseja acrescentar algo?
José Graziano da Silva – Diria que as grandes mudanças também se fazem gradativamente, no processo de acumulação de forças, de conhecimentos, e que uma marcha começa sempre com os pequenos passos. Digo isso para não desanimarmos. Se não dá para mudar o mundo de imediato, radicalmente, nós temos chances de, em 2022, mudar o governo brasileiro com as eleições e apostar em um candidato que tenha na fome, na segurança alimentar, um programa bastante detalhado. Podemos votar agora em quem está disposto a garantir que o direito humano à alimentação se estenda a todos. Não vamos desanimar. A pior coisa que podemos fazer neste momento é achar que não podemos fazer nada politicamente. Podemos e podemos muito – e está na hora de fazer. Eu, particularmente, acredito que neste ano de 2022 os municípios têm um espaço privilegiado em garantir a segurança alimentar e nutricional dos seus habitantes. Dá para fazer muita coisa em nível municipal para enfrentar a questão da fome.